segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A polêmica do "esmalte anti-estupro"



Quatro estudantes da universidade da Carolina do Norte, todos homens, Ankesh Madan, Tyler Confrey-Maloney, Stephen Grey e Tasso Von Windheim, fundadores da empresa Undercover Color, afirmam terem desenvolvido um esmalte capaz de detectar drogas do tipo "Boa noite cinderela" como Rohypnol, Xanax, and GHB (Gamma-Hydroxybutyric acid). 

Segundo o que foi divulgado, a mulher que estiver usando esse esmalte, bastará passar o dedo dentro de uma bebida, para que ele mude de cor, caso contenha alguma das drogas detectadas pelo esmalte, evitando dessa forma um possível estupro à vítima.

Muitos já apareceram na página da empresa perguntando quanto custa o produto, onde vende ou como podem revender o mesmo. A empresa esclareceu que o esmalte ainda está em fase de testes e estão pedindo doações para ajudá-los no investimento da pesquisa. 

Uma mensagem de 28 de agosto afirma que restam apenas U$ 5000 para contratarem mais um químico para a empresa, para dobrarem os esforços de Pesquisa e Desenvolvimento e liberarem o produto na metade do tempo.

Uma coisa bem interessante sobre a possibilidade desse esmalte ser desenvolvido é que alguns grupos de ativistas anti-estupro estão criticando o produto, por considerarem que ele será ineficaz no combate ao estupro e que pode reforçar a mentalidade de que a culpa do estupro é da mulher, por não ter se precavido o suficiente para evitá-lo.

A blogueira e escritora feminista Jessica Valenti, publicou no The Guardian: "Agradeço que jovens queiram frear o assédio sexual, mas qualquer coisa que coloca o ônus sobre as mulheres para 'discretamente' evitarem serem estupradas perde a razão. Deveríamos estar tentando impedir o estupro, não apenas evitá-lo individualmente".

Apesar de esse tema ter sido amplamente divulgado em toda a mídia, procurei críticas em blogs feministas brasileiros e não as encontrei. A maioria das notícias divulgadas sobre o assunto são praticamente uma cópia da mesma matéria publicada no site da BBC.

Com relação ao esmalte anti-estupro, penso que ele é tão "eficaz" para evitar o estupro quanto uma tranca de porta, uma trava de carro, um revólver na bolsa, uma arma de choque-portátil, andar com um homem do lado, dentre várias opções. Cada uma delas pode de alguma forma diminuir as chances de uma mulher ser estuprada em alguma situação, mas nenhuma dessas saídas jamais será totalmente eficaz.

Penso que andar com um esmalte como esse, pode fazer algumas mulheres se sentirem bem paranóicas. Elas vão a uma festa e começam a botar o dedo em cada copo de bebida que forem tomar, por medo de estarem "batizados". Por outro lado, se em algum momento, o esmalte detectar a droga em alguma bebida, um estupro, e consequentemente, anos de trauma podem vir a ser evitados para essa mulher.

Apesar de eu também considerá-lo pouco eficaz, devido às várias situações em que uma mulher pode ser alvo de um estuprador, não vejo razão para alguém se opor à criação de um produto como esse.

O pensamento de que a mulher seria culpada pelo estupro vai existir com ou sem esse esmalte. Sempre haverão pessoas que dirão que a mulher foi estuprada porque saiu de casa à noite, porque usou roupa curta, porque fez algo ou deixou de fazer.

Quanto ao comentário de que "deveríamos estar tentando impedir o estupro em vez de evitá-lo individualmente", é tão absurdo quanto dizer que "deveríamos estar tentando impedir os assaltos, em vez de apenas evitá-los individualmente".

Os estupros são ataques individuais, a pessoas específicas em momentos específicos e que causam traumas seríssimos nas vítimas (homens e mulheres).

Não existe uma forma única de impedir assaltos, assim como não existe uma forma única de impedir estupros.

Além de medidas enérgicas do Estado para punir os culpados, é preciso uma mudança de pensamento nas pessoas para que parem de culpar as vítimas, mas que também exista mais segurança nas ruas, mais educação nas escolas sobre a violência contra a mulher.

Precisamos também educar nossos filhos de forma menos machista, para que não cresçam achando que somente "mulher direita" deve ser respeitada e que o resto merece ser violentada.

Por outro lado, também é preciso, embora muitos não gostem de ouvir isso, que algumas mulheres tomem realmente cuidados no dia-a-dia, pois, independente do quanto o Estado puna, do quanto se eduque e de quantas campanhas conscientizadoras fizermos, há verdadeiros monstros à solta, que estuprariam qualquer mulher ou até criança que consigam pegar desprevenida. 

Isso não quer dizer também que as mulheres devam andar vestidas como freiras, nem que não devam sair de casa.

Qualquer invenção que ajude, mesmo que só um pouquinho, a evitar um estupro, deve ser bem-vinda. Criticar uma invenção como essa porque ela não vai "resolver o problema do estupro" como um todo, é achar que só devemos valorizar soluções que resolvam todos os problemas e que se não o fizerem, não servem.

Por outro lado, não se deve acreditar que algo assim, será uma grande solução. A maioria das mulheres são estupradas quando estão bem acordadas e não dormindo sob o efeito de drogas.

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