domingo, 21 de setembro de 2014

A imprensa investiga, acusa e julga, mas não precisa de provas


Na edição da revista "Isto É" da semana passada, a matéria intitulada "No rastro do dinheiro da Propinobrás" faz a seguinte denúncia:

"ISTOÉ apurou com procuradores e fontes ligadas à investigação que, além desses políticos já citados [pela revista Veja], também foram delatados por Paulo Roberto Costa o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o governador do Ceará, Cid Gomes, e os senadores Delcídio Amaral (PT-MS) e Francisco Dornelles (PP-RJ).".

Os quatro políticos citados foram acusados de estarem envolvidos nos esquemas criminosos do ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

O governador do Ceará Cid Gomes (PROS), revoltado com a matéria, entrou com um processo judicial contra a revista, acusando-a de calúnia e difamação, pelo fato de não apresentar provas da acusação que fez.

No dia 14 (domingo), a justiça do Ceará decidiu proibir a revista "Isto É" de circular em todo Brasil.

A revista recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), que liberou a publicação no dia 17 (quarta-feira). 

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, a decisão do Tribunal de Justiça do Ceará configuraria uma censura prévia. Segundo ele, a revista deveria ser publicada e, posteriormente, se o acusado se sentir caluniado, que entre com um processo contra a revista. 

Barroso destacou que existe interesse público no exercício da liberdade de imprensa, "independentemente da qualidade do conteúdo que esteja sendo veiculado".

Barroso destacou também que, no mundo atual, de rápida circulação de notícias, seria “impossível” que apenas “verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia”.

Não vou aqui analisar a decisão do ministro Barroso, nem a veracidade das denúncias da revista. Quero chamar a atenção para o modo como políticos estão sendo acusados pela imprensa de receberem propina de empresas que prestaram serviços para a Petrobras.

Imagine que um deputado federal esteja concorrendo a uma eleição para senador numa disputa bem apertada. Faltando duas semanas para a eleição, uma denúncia é feita numa das revistas mais lidas do país, afirmando que Paulo Costa teria citado o nome desse deputado como recebedor de propina. Mas a revista não diz quando foi, quanto recebeu, quem pagou a tal propina, nem sequer apresenta qualquer documento que prove que a acusação foi realmente feita pelo denunciante.

Essa simples informação imediatamente se transformaria numa tempestade na campanha eleitoral, principalmente se esse deputado for de um partido contrário àqueles que os principais meios de comunicação de seu estado apoiam.

Com as denúncias aparecendo dia e noite na TV, no rádio e nos jornais, não seria difícil fazer com que os eleitores acreditassem nas denúncias e o candidato perdesse muitos votos. 

Por mais que ele negasse envolvimento no caso, ele não teria como provar que não recebeu propina de uma empresa que nem foi citada, numa data indeterminada.

Do que vai adiantar o deputado processar a revista e só conseguir o direito de resposta após o fim das eleições, quando ele já tiver perdido? 

E se ele for inocente, de que vai adiantar ganhar o processo contra a revista 5 anos depois, quando ninguém mais lembrar do caso?

O Ministro Barroso está certo quando afirma que a liberdade de expressão e de imprensa são fundamentais para a democracia. Mas conceder liberdade total à empresas de comunicação faz com que diversos abusos possam ser cometidos.

É absurdo que seja permitido que um órgão de imprensa divulgue uma acusação sem provas, apenas com base no "alguém disse".

É necessário que exista uma regulamentação na ação da imprensa que torne ilegal qualquer denúncia sem provas, para inibir a criação de matérias desse tipo e para que a punição ocorra mais rapidamente. 

Dizer que "uma fonte disse que fulano é culpado" não é um trabalho de jornalismo. Isso se parece com uma publicação de fofocas.

Com a força que denúncias desse tipo possuem e com seu grande poder de barganha, não surpreende que os grandes meios de comunicação lutem politicamente com toda força contra qualquer tipo de regulamentação da imprensa, por menor que seja.

Qual seria o impacto sobre as eleições, se na última semana do segundo turno fosse publicado em uma dessas revistas de grande circulação que Paulo Roberto Costa disse que um determinado candidato à presidência recebeu propina da Petrobras, mesmo sem provas? Uma acusação como essa, deveria ser legal?

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