sábado, 1 de fevereiro de 2014

Por que uma simples encenação de um beijo se tornou tão importante?


Ontem foi um dia histórico. A Rede Globo, após tantos anos exibindo relacionamentos gays em suas novelas, sem nunca mostrar um beijo explícito, finalmente mostrou a primeira cena de beijo entre dois homens.

A comemoração pelo país foi enorme. No mesmo instante as redes sociais ferveram com fotos tiradas de aparelhos de TV, com o registro desse momento. Uma euforia tomou conta de muitos gays e héteros. Foi algo semelhante ao que sente um torcedor apaixonado quando seu time de futebol vence um campeonato.


Daí a gente pára pra pensar: "Por que algo tão simples gera toda essa emoção em tantas pessoas?".

É porque elas perceberam que foi vencida mais uma batalha da longa guerra contra o preconceito. Ao conseguir pressionar a maior rede de televisão a finalmente exibir um beijo gay numa novela, isso significa que a aceitação aos homossexuais avançou um pouco mais.

Muitos estão dizendo "Essa cena não vai fazer os gays serem menos discriminados nas ruas. Não vai mudar nada!". Eu discordo, pequenos atos como esses são muito simbólicos e quando vistos por milhões de pessoas ao mesmo tempo, várias delas passam a refletir sobre o assunto. Talvez passem a ver um relacionamento gay com outros olhos.

Durante a minha infância e adolescência, sempre que ouvia falar em gays, era no pior sentido possível. A palavra "gay" era um grande xingamento e ainda é para muitos. Quando se tinha raiva de alguém, a palavra gay logo saía da boca como forma de atacar o cara de quem não se gostava. O repúdio a essas pessoas era total, sendo tolerados apenas na condição de bobos da corte, para rirmos deles.

Hoje claramente se nota uma grande mudança, quando vemos alguém famoso fazendo uma declaração preconceituosa contra gays e recebendo uma avalanche de críticas de todos os lados, inclusive de muitos héteros. Hoje muitos já "pisam em ovos" quando vão falar sobre gays. É maravilhoso que não seja mais tão bem aceito falar mal deles. 

Alguns que criticam constantemente a Globo se irritaram com a empolgação sentida com a tão esperada cena do beijo, por pensarem que a exibição dessa cena só vai beneficiar a própria Globo, deixando-a mais forte. Creio que isso não seja um motivo para o desânimo. Pior seria se o conservadorismo tivesse vencido mais essa batalha. A Globo é, e vai continuar sendo poderosa por muito tempo. Melhor que cresça através de atos positivos do que através de moralismos exagerados.

O beijo entre Niko e Félix na novela das nove não é algo que deva ser enxergado como uma "vitória da globo". É principalmente uma vitória de todos na sociedade que lutam contra o preconceito. É semelhante àquela situação em que um governo se recusa por anos a aprovar uma determinada lei, mas após uma grande pressão popular, ele resolve aprová-la. Obviamente esse governo vai receber algum mérito por isso, mas o resultado foi principalmente fruto da luta popular. 

O mesmo pode ser dito da cena do beijo na novela, que foi fruto da pressão dos espectadores. Quando a Globo notou que a audiência subia muito durante as cenas do casal gay, percebeu que a pressão pró-beijo era bem maior que a anti-beijo.

A luta da comunidade LGBT é a de muitas pessoas que sonham em serem tratadas da mesma forma que quaisquer héteros nos dias de hoje. É a luta de um grupo que não aguenta mais ter de esconder o que sente, o que pensa e o que faz. Eles querem ter o direito de dar as mãos na rua, de se beijarem e se abraçarem, como qualquer outro casal, sem que sejam agredidos física ou verbalmente. Para quem vive tamanha opressão, qualquer passo na direção de uma maior aceitação ou tolerância da sociedade é de fundamental importância e será comemorado com a maior euforia. Com mais pessoas os aceitando ou tolerando, serão menos agressões nas ruas, menos xingamentos, menos vagas de emprego recusadas e uma convivência menos difícil em sociedade.

4 comentários:

  1. Seu gay! Quando seu filho aparecer no portão com outro e der um beijo quero ver sua cara de aceitação!

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    1. Você pode reprimir seus filhos da maneira que quiser. Eles podem até não se assumir por um tempo, mas assim que ele crescer e puder se sustentar por conta própria, irá viver sua vida, gostando você disso ou não. O pior é que muitos desses filhos após sair de casa, sai com a pior relação possível com os pais. O que os meus filhos forem, será respeitado por mim, desde que não cometam crimes ou prejudiquem outras pessoas de alguma maneira. O importante é que sejam pessoas honestas, respeitadoras e saibam conviver bem em família e sociedade.

      um abraço e desejo tudo de bom para você.

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  2. Gostei muito do seu artigo Fabiano. Encaro também como uma vitória da sociedade e do autor Walcyr Carrasco, não apenas pelo beijo, mas pela beleza da última cena, da aceitação pelo pai, que foi inspirada na cena final do filme "Morte em Veneza", de Luciano Visconti. É o mesmo cenário, uma praia com o sol se pondo em um mar difuso em tons rosados, a cadeira-de-praia, o chapéu, o velho convalescente, o jovem desejoso de afeto. E todo o significado das mãos que se unem, fisicamente em "Amor a Vida", simbolicamente em "Morte em Veneza". E todo este cenário inebriado pela mesma música, o Adagietto da 5ª Sinfonia de Gustav Mahler. Vale a pena conferir:
    http://www.youtube.com/watch?v=BRSlhs8Z2yI

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    1. Muita gente não compreendeu o significado simbólico, mas tão poderoso dessa cena. É uma pena. Que bom que gostou Ana. Espero que ajude a compartilhar.

      um abraço

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