sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Os perigos que a vigilância na internet traz

Autor: Carlos Latuff

Recentemente o ex-agente da NSA (Agência de Segurança Nacional norte-americana) Edward Snowden revelou que os EUA têm acesso a quase tudo o que fazemos na internet, desde nossos e-mails, nossos contatos nas redes sociais e até mesmo o que fizemos, quando fizemos e onde estávamos.

Isso somente é possível porque empresas como Google, Facebook, Microsoft, Yahoo e várias outras permitem que o governo dos Estados Unidos intercepte todos os dados que passam pelos seus servidores. Uma vez interceptados, esses dados são armazenados para sempre em bancos de dados do governo.

Ao armazenar todos os dados do seu e-mail e das suas contas nas redes sociais, o governo americano, além de ter acesso a todos os seus contatos, postagens e conversas privadas, também saberá em que locais você esteve. Eles podem saber que no dia 4 de setembro você esteve em Maceió, no dia 5 pela manhã esteve em Recife, se comunicou com determinada pessoa e no mesmo dia à noite você voltou para Maceió, bastando que você tenha entrado em algum dos serviços monitorados por eles ao menos uma vez nesses dias e horários.

Muitos podem pensar que isso não é tão importante e que aqueles que não estão cometendo nenhum crime não têm nada a temer. Mas infelizmente a realidade é bem diferente e os problemas que podemos ter pelo fato de os governos terem acesso aos nossos dados, sem autorização judicial, são bem preocupantes.


Revolução na comunicação


Hoje com as redes sociais, a capacidade de comunicação dos cidadãos atingiu um nível que há poucos anos era inimaginável. Algo que ocorre às 8:00 no interior de São Paulo pode já ser conhecido por milhares de pessoas por todo o país às 8:30, sem que a imprensa tenha feito a divulgação do fato. Isso passou a ser assustador para a imprensa tradicional, pois ela perdeu o monopólio da produção e divulgação de notícias. Ocultar acontecimentos da população tornou-se cada vez mais difícil.

Além disso, com as redes sociais, um texto escrito por um blogueiro independente pode ser divulgado rapidamente para milhares de pessoas sem que ele precise desembolsar um único centavo, algo  que antes era praticamente inviável. Isso fez com que muitas pessoas antes desconhecidas passassem a influenciar a opinião pública tanto quanto os comentaristas pagos por grupos de comunicação.

Esses novos "poderes" conquistados pela população também assustaram os governos, pois se tornou mais difícil manipular a opinião pública.

A imprensa tradicional ainda possui muita força, mantendo uma influência política muito relevante. Mas agora eles não têm mais o poder de decidir sozinhos o que a população vai ficar sabendo ou deixar de saber. Chegamos a um ponto em que eles são obrigados a fazer reportagens sobre assuntos que não gostariam de comentar, pelo fato de estarem repercutindo bastante nas redes sociais. Essa perda de poder é um duro golpe para as elites que comandam os governos mundo a fora.


Censura após 11 de setembro

Lembremos do que aconteceu nos Estados Unidos após os ataques às torres gêmeas em 2001. Eles iniciaram uma guerra contra o Afeganistão, mas o verdadeiro alvo deles era o Iraque. A partir daí, o governo passou a divulgar uma sucessão de mentiras incessantemente através da imprensa. Começou a dizer que o líder terrorista Osama Bin Laden estava associado a Saden Hussein, que na época governava o Iraque. Passou a dizer que Sadam Hussein estava desenvolvendo armas químicas e nucleares, e em seguida passou a dizer que ele entregaria essas armas ao Bin Laden, para que ele realizasse ataques terroristas contra os EUA. Imagine como os americanos se sentiram amedrontados com isso.

O que é interessante nessa história é que a imprensa ajudou bastante o governo norte-americano a divulgar essas mentiras. A grande maioria dos comentaristas que eram chamados para discutir o assunto eram favoráveis à guerra contra o Iraque. Cada vez mais foram sendo removidos da TV comentaristas contrários à guerra. Bastava que alguém se manifestasse contra a guerra, que a imprensa promovia um linchamento público, difamando essa pessoa diariamente.

O cineasta Michael Moore, após receber o Oscar de melhor documentário em março de 2003, poucos dias após o início da guerra do Iraque, fez um discurso criticando o presidente Bush por ter iniciado a guerra. A partir desse dia, sua vida se tornou um inferno, pois a imprensa passou a atacá-lo incessantemente com todo tipo de críticas, para evitar que outros seguissem seu exemplo. Chegou ao ponto de pessoas na rua correrem para cima dele para agredí-lo. A coisa chegou a um ponto em que apresentadores de TV, como Glenn Beck, comentavam sobre a vontade que tinham de assasiná-lo. Ele chegou a andar com 8 seguranças para se proteger.


“Vivemos em uma época em que temos resultados fictícios de eleições que elegeram um presidente fictício. Vivemos em um tempo em que um homem nos está mandando para a guerra por motivos fictícios. […] Nós somos contra esta guerra, senhor Bush. Que vergonha, senhor Bush.” 
(discurso de Michael Moore na entrega do Oscar)

Esse tipo de coisa é o que pode acontecer quando a imprensa possui o monopólio da produção e divulgação de notícias. Em acordo com o governo, os veículos de maior audiência podem decidir contar apenas uma versão de um acontecimento e repetí-la incessantemente, para que todos acreditem que essa versão representa a verdade. Mesmo que alguns veículos menores digam o contrário, terão pouquíssima influência. É muito fácil manipular a população dessa forma.


A reintegração de posse do Pinheirinho

Casos como o da reintegração de posse do Pinheirinho em São José dos Campos, que desabrigou aproximadamente 6000 pessoas que moravam há quase 8 anos no terreno, em janeiro de 2012, foram praticamente ignorados pela televisão. O programa Fantástico exibiu uma reportagem de 2 minutos sobre o assunto no dia da desocupação. Já nas redes sociais, a repercussão foi enorme. Centenas de fotos e vídeos sobre o assunto chegaram às pessoas através do facebook e twitter, furando o bloqueio da imprensa. Essa repercussão gerou até matérias na imprensa estrangeira: BBC, The Guardian, Aljazeera.

"Tropa de Choque" do Pinheirinho armada para se proteger da invasão policial do terreno.


Tentativas de controle da internet

Com a perda do monopólio da comunicação, os governos começaram a procurar maneiras de controlar a internet. Já que não valia a pena censurar o que era publicado nas redes sociais, resolveram buscar formas de espionar tudo o que todos estão fazendo na internet.

Ao saber por exemplo, que algum ativista  anti-guerra, compartilhou com amigos uma música protegida por direitos autorais, o governo americano poderia exigir a prisão dessa pessoa. Há milhares de pessoas nos EUA sendo processadas por baixar esse tipo de conteúdo.

Ao descobrir que um jornalista está preparando uma matéria bombástica que irá destruir a imagem de uma empresa doadora de campanha de algum governo, seria possível agir rapidamente para impedir que a matéria fosse concluída ou distribuída para o público, através de suborno, intimidação ou até assassinato.

O pior de tudo é que essa vigilância não é feita apenas na internet, não é feita apenas pelo governo americano e o custo para fazê-la está cada vez mais barato. Já existem até empresas privadas como a VASTech da África do Sul que vendem sistemas que permitem a interceptação e o armazenamento de todas as ligações telefônicas do país pelo custo de apenas 10 milhões ao ano.

A empresa francesa Amesys vendeu ao governo do ex-ditador da Líbia, Muamar Kadhafi, o sistema "Eagle" que é descrito no documento comercial como "mecanismo de interceptação de âmbito nacional". Após a queda do ditador, essas mesmas instalações de espionagem voltaram a operar normalmente.

No livro "Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet" Julian Assange comenta a que dimensão chegaram a interceptação e a análise das informações interceptadas:

Na verdade, a maioria dos países já chegou lá em termos de interceptação. O próximo grande salto será a eficiência da interpretação e da resposta ao que já está sendo interceptado e armazenado. [...] A Siemens está vendendo uma plataforma para agências de inteligência capaz de produzir ações automatizadas. Então, quando o alvo A estiver a determinada distância do alvo B de acordo com seus registros de interceptação por celular, e o alvo A receber um e-mail mencionando alguma coisa - uma palavra chave - a ação pode ser iniciada. Estamos muito perto disso. (Página 58) 

Diante dessa realidade, a internet assume duas formas distintas. Por um lado permite uma liberdade de comunicação muito maior, aumentando o poder político dos que têm pouco dinheiro. Por outro lado, tornou-se uma enorme máquina de vigilância, que vigia cada passo que damos no mundo digital. Isso leva a muitas discussões sobre até que ponto a internet é útil na luta política e até que ponto ela se torna uma ameaça.

Não tenho dúvidas de que ficar fora das redes sociais não é uma boa opção. Sair delas significa perder muita influência. Mas ao mesmo tempo, manter-se nelas é estar alimentando as agências de espionagem, incluindo a nossa brasileira ABIN. Se futuramente houver perseguição de opositores do governo, como ocorreu no período da ditadura militar, aí sim o melhor é evitar ao máximo as redes sociais. Tudo dependerá do nível de liberdade de expressão que cada governo vai admitir. Cabe a nós lutar para que a internet seja um ambiente livre onde possamos nos organizar para fazer um contraponto à mídia tradicional e nos organizar politicamente para enfrentar tantas injustiças que nos cercam.

Um comentário:

  1. Muitíssimo útil as informações postadas, apenas não gostei desta citação: A empresa francesa Amesys vendeu ao governo do ex-ditador da Líbia, Muamar Kadhafi, o sistema "Eagle" que é descrito no documento comercial como "mecanismo de interceptação de âmbito nacional". Após a queda do ditador, essas mesmas instalações de espionagem voltaram a operar normalmente.

    ResponderExcluir