sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Quando os políticos usam policiais honestos para fazer o trabalho sujo


Relembrando o Tropa de Elite

No filme "Tropa de Elite 2", há um momento muito interessante da história, em que os políticos enviam os policiais do BOPE para eliminar os traficantes de uma determinada favela. Na visão dos bravos policiais do BOPE, eles estão prestando um excelente serviço à comunidade ao expulsar aqueles traficantes de lá, mas eles nem imaginam o que há por trás daquela grande operação.

Após a eliminação dos traficantes, a favela logo é tomada por uma milícia, financiada e controlada por grupos políticos ligados ao governador do estado e a vários políticos influentes. Qual a culpa do BOPE nisso tudo? Nenhuma.

Nesse caso, o BOPE foi totalmente usado, para fazer o trabalho sujo que esses políticos jamais conseguiriam se não tivessem o controle sobre a polícia. Usaram de bravos e honestos policiais, que há anos lutam para defender a população dos criminosos, para satisfazer às suas perversas ambições.

A imagem de super heróis, deixada pelo primeiro filme "Tropa de Elite", foi substituída pela imagem de simples marionetes no segundo filme, cujas linhas são puxadas pelos dedos dos políticos.




Últimos acontecimentos envolvendo a PM de São Paulo

Nos últimos meses, temos visto uma onda crescente de revolta da população contra a polícia, principalmente em São Paulo. Houve o caso do aluno negro da USP, covardemente agredido. Depois aconteceu o problema da cracolândia, onde o governo tentou resolver o problema do crack usando apenas a polícia. Para fechar com chave de ouro, a reintegração de posse do Pinheirinho, onde colocaram para fora de um terreno 1700 famílias e demoliram as casas de todos, sem dar tempo para que muitos tirassem seus pertences de dentro.

Devido a esses acontecimentos, temos visto uma série de revoltas da população contra a PM em manifestações nas ruas. Na internet isso tem acontecido bastante, há diversas mensagens de ódio contra os policiais e alguns movimentos políticos fazem vários protestos contra a ação da PM.



É justo culpar a PM?

Acredito que todo esse ódio não deveria ser concentrado na polícia e sim nos políticos, pois a decisão de expulsar toda essa gente de casa partiu dos políticos e não da polícia. A polícia não é uma massa pensante. A polícia foi treinada somente para agir, sem questionar as ordens dos superiores e por isso fará exatamente o que lhe for ordenado.

Se os superiores ordenarem que salvem vidas, eles salvarão. Se pedirem que eliminem vidas, eliminarão. Não importa se a ordem é proteger ou espancar trabalhadores honestos, em ambos casos eles cumprirão exatamente o que mandarem.  Eles não avaliam se a ordem é boa ou ruim, apenas as cumprem.

Se o militar resolver não cumprir a ordem, o que ocorrerá a ele? certamente será processado por desobediência e provavelmente será expulso da vida militar, acabando com a sua carreira.

É muito injusto que um cidadão seja punido por se recusar a cometer uma injustiça ou um crime. É complicado imaginar alguém sendo punido por colocar os valores humanos acima da obrigação de cumprir ordens. É como se a pessoa tivesse de renunciar à sua humanidade para ser considerado um bom soldado.

Diante disso, torna-se bem difícil de determinar o quanto de culpa a PM tem nessas ações, já que estão somente cumprindo ordens que vêm de cima.

Porém, muito policiais vão bem além do que lhes é ordenado e cometem diversos excessos, como temos visto. No caso do Pinheirinho, vi senhoras idosas alvejadas por balas de borracha e gás lacrimogênio. Há uma cena muito divulgada na internet, em que um senhor é agredido sem ter feito qualquer ação agressiva. Até um secretário da presidência da república levou um tiro de bala de borracha nas pernas. Essas são coisas que demonstram claramente como a reintegração de posse foi muito mal planejada e executada, o que em parte a polícia tem culpa sim.



Excessos justificáveis

Há até alguns excessos que são justificáveis, como aqueles em que a polícia é obrigada a agredir alguém pelo fato de estar sendo agredida também. Dá para entender o lado da polícia, mas também é importante ressaltar o lado do morador que está agredindo.

Imaginem que eu sou um desses policiais. Entro numa favela, cheia de gente que possui quase nada e a minha missão é fazer com que elas fiquem com praticamente nada. Vou lhe retirar a casa e os poucos pertences que possui. Neste caso é mais do que esperado que muitos sejam envolvidos em fúria e me agridam com todas as suas forças, para tentar me impedir de tirar-lhe o pouco que possuem. É esperado até que algum morador, desesperado, saque alguma arma e tente me matar, para que eu não ferre com a vida dele. Nessa situação, o vilão sou eu. Eu é que estou fazendo o trabalho criminoso dos políticos e não tenho outra saída senão cumprir a ordem que me foi dada.


Carros queimados como o que vimos nas reportagens na TV são pouco, perto do que as pessoas são capazes de fazer quando são submetidas a situações assim. Pessoas de boa índole já ficam furiosas com isso, imaginem como ficam as de má índole...


Quando os valores humanos entram em confronto com as ordens dos superiores

Imagine que algum dos soldados envolvidos na reintegração de posse fosse um morador do Pinheirinho. O mesmo mora lá há anos junto de toda a sua família e muitos amigos. Imagine como se sentiria esse soldado por fazer parte do grupo que está colocando todas as pessoas de quem gosta para fora de suas casas.

No meio da operação, esse policial vê a sua mãe correndo desesperada com medo de ser agredida. Quando menos espera, sua mãe leva um tiro de bala de borracha disparado por um de seus colegas. Qual será a sua reação? prosseguirá como se nada tivesse acontecido ou irá ajudar sua mãe e mandar que todos parem de atirar para não machucá-la?

O mesmo policial continua a operação e vê um grande amigo seu, honesto e trabalhador, apanhando de outro colega seu, sem ter feito nada. Ele vai ficar calado e deixar que o agridam ou vai lá defendê-lo? Se o seu superior mandar atirar nele, irá fazer isso ou se recusar?

Se você que está lendo é policial, pense bem nessa situação. Imagine como seria se a sua família fosse muito pobre e não tivesse outra saída a não ser morar naquele local, será que você agiria da mesma forma? Certamente não é a sua família que estava no Pinheirinho, mas imagine por um instante que aquelas pessoas idosas poderiam ser os seus pais e as outras pessoas poderiam ser os seus filhos, esposa e amigos.

Hoje é muito difícil de alguém olhar para outra pessoa e se colocar no lugar dela. O individualismo das pessoas chegou num nível muito alarmante, ao ponto de não conseguirem se colocar no lugar do outro, num caso como esse do Pinheirinho. Imaginam a situação deles, sob a ótica de sua vida confortável, com acesso a estudo, saúde, dinheiro, etc. Não conseguem imaginar como seria não ter casa, saúde, estudo, oportunidade, dinheiro, etc.


Conclusão

Após casos como esse do Pinheirinho, tem-se como resultado uma população enorme desabrigada, que passará a odiar a polícia e os políticos. Enquanto isso, no lugar onde moravam, grandes condomínios de luxo serão construídos, enquanto sua comunidade será totalmente separada e irão morar num destino incerto.

Os policiais nesse tipo de ação tentam de todas as formas se justificar sob o argumento de que apenas cumpriam a lei, mas percebe-se que eles nem notam o mal que causaram e nem quem é o responsável pela ação. Seu treinamento foi muito bem feito e criou o perfeito soldado que não questiona.

Será que algum dia ouviremos algum soldado falando numa entrevista o texto abaixo:

"Invadi sim e agredi muita gente. O que fiz foi totalmente errado, mas fui obrigado a fazer isso. Enquanto eu vestir essa farda serei obrigado a fazer coisas como essa. Se querem odiar alguém, que não seja a mim. Odeiem os políticos que me deram essas ordens. Se algum crime foi cometido, eles são os maiores culpados dele."


3 comentários:

  1. Acredito que relacionar a função policial a um mero cumpridor de ordens significa simplificar muito o problema. Todo homem é responsável pelas suas próprias atitudes e sua consciência. Se uma pessoa escolhe defender o corporativismo de uma instituição a qualquer custo e sem questionamentos, é uma opção consciente.
    As pessoas não são obrigadas a cumprir ordens ou determinações escritas, elas se submetem a isso voluntariamente, independente da brutalidade utilizada. Depois subjugam quem as questionam, sem necessidade de justificativas coerentes. Não há empatia entre torturadores e torturados, se houvesse não existiria a tortura.

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  2. Realmente um policial não é um mero cumpridor de tarefas e suas atitudes repercutem bastante na sociedade.

    Nesse texto, eu quiz dar ênfase ao fato de que os policiais pouco se importam com quem está do outro lado, pois foram treinados para agir da forma que agem. Desse modo, tanto faz ter ódio da polícia, pois a culpa não é deles pela ação decidida pelos políticos.

    Quanto aos policiais defenderem o corporativismo a qualquer custo, acredito que não é bem assim. Aqueles homens não têm causa alguma. Se as ordens fossem para proteger a população contra pessoas que querem expulsá-los à força, eles cumpririam essas ordens do mesmo jeito.

    Como eu disse, agredir ou proteger, eles farão exatamente o que mandarem.

    Um militar pode escolher não cumprir uma ordem, mas se descobrirem que ele o fez intencionalmente, irá sofrer as sanções da lei, como disse no artigo. Infelizmente as leis militares são bem diferentes das civis.

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  3. Ótimo texto,Fernando Amorim. Imparcial. Consegue mostrar as duas faces da lei. Talvez, um dia, consigamos mudar tudo isto.

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