O desejo doentio pelas armas nos EUA

Recentemente, em 3 de janeiro, o governo americano anunciou que irá tomar medidas para restringir o acesso às armas de fogo nos EUA. A intenção é impedir que pessoas com problemas mentais possam comprar essas armas legalmente, algo que ainda ocorre no país, por mais incrível que isso possa parecer.

O Massacre de Sandy Hook

Em 14 de dezembro de 2012, no Estado de Connecticut,  Adam Lanza, de apenas 20 anos, que possuía um histórico de problemas mentais, entrou na escola primária Sandy Hook, na cidade de Newtown, matando 26 pessoas, sendo 6 adultos e 20 crianças. A maioria das crianças mortas tinha entre 6 e 7 anos de idade. Para isso usou 3 armas: uma Glock 10 mm, Sig Sauer 9 mm, e um fuzil Bushmaster XM-15, usado na maioria das mortes. Segundo o legista, cada criança tinha em seu corpo de 3 a 11 tiros.

G1 - Veja a cronologia do massacre na escola Sandy Hook, nos EUA

Rifle Buchmaster XM-15, usado no Massacre da escola Sandy Hook

Em abril de 2013, o Estado de Connecticut conseguiu fazer uma mudança nas leis estaduais para aumentar o controle na venda legal de armas. Os que desejarem ter posse de arma deverão passar por um exame psiquiátrico e passou a ser proibida a venda de "armas com câmara de rifle de repetição de alta capacidade".

Revista Veja - Depois de massacre, Connecticut aprova controle de armas

Após o massacre de Sandy Hook, o presidente Barack Obama tentou aprovar medidas semelhantes para todo o país, mas o congresso se opôs e nenhuma mudança foi feita na legislação sobre armas. Desta vez, Obama vai tentar implantar medidas que não dependam do congresso para serem aprovadas.

É fácil demais ter uma arma nos Estados Unidos

Hoje os Estados Unidos, com uma população de aproximadamente 313 milhões (2012), possui aproximadamente 300 milhões de armas de fogo. É o país que mais compra armas no mundo.

Prensa Latina - Mais de 8 mil foram mortos nos EUA com armas de fogo em 2011

Há muitas razões para isso, mas a principal delas talvez seja o constante medo ao qual são submetidos os americanos a todo o momento. Os telejornais todos os dias anunciam novos perigos, desde ameaças de ataques terroristas a assaltos, mortes, estupros, sequestro e todo tipo de violência que uma pessoa pode sofrer. Não importa se a violência cai a cada ano, eles mostram cada vez mais violência, como se ela tivesse crescido sem parar. Isso alimenta o medo e a necessidade de ter uma arma (ou muitas) em casa. Após os atentados de 11 de setembro, a venda de armas cresceu em torno de 70%.

Além disso os filmes e seriados americanos a todo momento reforçam a importância de se ter uma arma. Os personagens são colocados em situações em que ter uma arma naquele momento tem uma importância fundamental.

O escritor Fernando Morais em seu livro "Os últimos soldados da guerra fria", que conta a história de agentes secretos cubanos infiltrados em Miami na Flórida, conta que, antes de 2001, era possível comprar um fuzil AK-47 pela internet na Flórida, bastando ter um documento de identidade e não ter ficha na polícia. Após os atentados de 11 de setembro, o governo endureceu as leis sobre armas.

Revista Fórum - Os ecos de uma história que não acabou

Fuzil AK-47

O cineasta americano Michael Moore, em seu documentário Tiros em Columbine, que venceu o Oscar de melhor documentário em 2003, mostra o quanto é fácil ter acesso a armas e munições nos EUA. Primeiramente ele vai a um banco que dá aos seus clientes uma arma de brinde, ao abrirem uma conta. O tipo de arma recebida varia de acordo com o tipo de conta aberta. Ele abre a conta e recebe uma arma. Em seguida, vai a uma barbearia, onde compra uma caixa de munições.

Cineasta Michael Moore e a espingarda que recebeu após abrir uma conta no banco

Nesse documentário também mostra que os dois autores do atentado ao colégio Columbine em 20 de abril de 1999, mataram 13 pessoas e feriram outras dezenas usando várias armas compradas legalmente; haviam fuzis, espingardas e pistolas. Dispararam em torno de 900 balas que foram compradas no supermercado K-Mart.

Associação Nacional do Rifle

Para dificultar ainda mais os planos dos que desejam um controle mais rigoroso sobre a venda de armas, existe a Associação Nacional do Rifle (NRA), que reúne pessoas que defendem o direito das pessoas terem quantas armas desejarem. Atualmente possui mais de 4 milhões de membros e esse número cresce a cada ano. Essa associação forma um lobby muito poderoso que financia as campanhas de muitos políticos americanos, para que defendam os seus interesses após serem eleitos.

Graças a esse financiamento em massa de campanhas eleitorais, a Associação Nacional do Rifle consegue vetar no congresso quase todas as propostas que tentam aumentar o controle sobre a venda de armas.

Crianças com armas numa Convenção da Associação Nacional do Rifle (NRA)

Manifestação contra a Associação Nacional do Rifle (NRA)

O Brasil tem menos armas e mais assassinatos

Algo muito interessante é que apesar de o Brasil ter uma população menor que a dos EUA e de ter apenas 15 milhões de armas de fogo, ou seja, 5% da quantidade dos EUA, mesmo assim temos uma taxa de homicídios por arma de fogo cerca de três vezes maior.

Números de 2010 apontam que os EUA tiveram 9960 mortes por arma de fogo, enquanto o Brasil teve 36 mil nesse mesmo ano.

BBC - Com menos armas, Brasil tem três vezes mais mortes a tiro que os EUA

Talvez isso ocorra porque nos Estados Unidos, apesar de haver muitos crimes sem solução, a maioria dos casos de homicídio são desvendados e os culpados presos. Lá os processos judiciais não demoram tanto quanto aqui. Já no Brasil a realidade é completamente diferente. A maioria dos homicídios aqui sequer são desvendados e mesmo quando são desvendados, muitas vezes o acusado não vai preso e quando vai, nem sempre fica muito tempo em regime fechado. Isso dá uma grande sensação de impunidade para os que pretendem praticar crimes.

Por outro lado, a nossa alta criminalidade está longe de ser relacionada apenas à polícia e ao judiciário. Temos problemas sociais gritantes que são muito mais responsáveis por essa criminalidade do que a sensação de impunidade.

É ótimo que nos Estados Unidos os cidadãos não se matem tanto quanto aqui no Brasil, mas é importante que eles tenham um maior controle do acesso a armamentos pesados, pois da forma como está, torna-se muito fácil planejar um atentado terrorista. Qualquer pessoa que esteja de mal com a vida, que tenha porte de arma e que tenha um bom dinheiro pode conseguir armamentos pesados e milhares de balas facilmente. Dessa forma, há muito pouca coisa a se fazer para impedir atentados como os de Sandy Hook e de Columbine.