terça-feira, 31 de dezembro de 2013

A eterna luta política em torno do aborto

No meio das diversas opiniões que são lidas pela internet, destacam-se dois tipos radicalmente opostos. De um lado está a opinião de muitos religiosos, que são completamente contrários ao aborto. Do outro lado, estão as opiniões de algumas correntes políticas feministas que defendem a descriminalização total do aborto. Elas querem que o aborto seja legalizado e que a mãe tenha o direito de decidir se deseja conceber o filho ou não. Felizmente também existem aqueles que discordam desses dois grupos.
 
A legislação brasileira hoje somente permite o aborto em casos de estupro, gravidez com risco de morte para a mãe e no caso dos fetos com anencefalia (ausência de cérebro). 


Religiosos anti-aborto

Há uma cegueira por parte de muitos religiosos ao não verem o tamanho da violência que é para uma mulher ter um filho de um homem que cometeu um estupro contra ela. Esse crime é a maior violência física e psicológica que uma mulher pode sofrer. Muitas ficam traumatizadas pelo resto da vida.

Seria justo condenar uma mulher estuprada, traumatizada, a passar 9 meses carregando no ventre um filho gerado por um monstro contra a sua vontade? 

Alguns argumentam que o filho que está no ventre não tem culpa da violência ocorrida e que tem o direito à vida. Argumentam que se a mulher não tiver o interesse de criar o filho, que é melhor que deixe o filho nascer e que o entregue à adoção. Dessa forma a criança teria o seu direito à vida assegurado e a mãe não seria obrigada a criá-lo. Pensando friamente, até parece ser uma boa solução, mas o problema não é tão simples assim. Para a mulher que sofreu o estupro, isso não é questão racional. Ela sofreu uma violência extrema e dificilmente vai estar preparada psicologicamente para suportar o fato de estar grávida do estuprador.

No caso da gravidez com alto risco de morte para a mãe, não faz sentido algum se opor ao aborto. Não vale a pena arriscar a vida dela para que talvez a criança nasça, a não ser que ela mesma deseje correr esse risco. Não seria melhor assegurar que a mãe viva para que possa engravidar outra vez com menos risco?

No caso de fetos anencéfalos, o tempo de vida fora do útero é curto. Ao ser diagnosticada a anencefalia, já se sabe que a criança viverá muito pouco. Na maioria dos casos, a criança morre no mesmo dia ou poucos dias após o nascimento.
Feto com anencefalia

G1 - Mãe deixa hospital para ir a enterro de bebê anencéfalo que morreu em MT

Há alguns casos que os religiosos utilizam como exemplo para demonstrar que deveriam ser proibidos os abortos de anencéfalos. Um desses casos é o da menina "Vitória de Cristo", que viveu por 2 anos e meio fora do útero, vindo a falecer em julho de 2012.
Vitória de Cristo, que viveu 2 anos e meio fora do útero

Outro caso é o da menina Marcela de Jesus Ferreira, que viveu 1 ano e 8 meses fora do útero. Ambos os casos seriam provas de que anencéfalos poderiam viver por alguns anos e que as vidas dessas crianças, ainda que breves, deveriam ser protegidas.

Marcela de Jesus, que viveu por 1 ano e 8 meses fora do útero

Porém o caso da menina Vitória não era de anencefalia (ausência de cérebro) e sim de Acrania (Ausência de crânio). A acrania pode evoluir para a anencefalia, mas nem sempre isso ocorre. No caso da menina Marcela, ela na verdade tinha Merocrania, que é quando a criança possui um resquício do cérebro, permitindo que ela viva por um tempo bem maior que uma criança com anencefalia, que na maioria dos casos morre no mesmo dia do parto.

Diferença entre Anencefalia e Merocrania


Feministas pró-aborto

Do outro lado da história estão algumas correntes políticas feministas que defendem que o aborto deve ser totalmente liberado e que a mãe é quem deve decidir se o feto irá crescer ou ser morto.

É normal ouvir o discurso "Lutamos pelo direito de a mulher decidir o que quer fazer do seu corpo".

Eu concordo que a mulher deve ter o direito de usar o seu corpo da forma como achar melhor. Que ela pinte o cabelo da forma que quiser, que faça quantas tatuagens quiser, que faça sexo com quantos quiser.

Mas no caso da gravidez, a questão não é apenas do corpo da mulher. Há uma vida gerada lá dentro que também está em jogo. Se o feto já é uma vida humana ou não, é uma questão que está sempre em discussão. A religião ou a ciência são usadas nessas discussões para cada um puxar a sardinha para o seu lado.

É ótimo que existam grupos políticos organizados, lutando pelo direito das mulheres, mas quem vai lutar pelo direito dos filhos que ainda estão na barriga das mães?

Dar a autorização para as mães eliminarem essas vidas livremente é algo que pode resultar no aborto seletivo em larga escala.

O aborto seletivo é a escolha da mãe e pai de matar o feto por causa de alguma característica no mesmo que  não gostaram. Por exemplo:

  • Vai nascer menina. Aborta porque queria menino.
  • Vai ter síndrome de down. Aborta porque queria que fosse "saudável".
  • Vai nascer sem uma perna. Aborta porque queria o filho "completo".

Além dos casos acima, há também os abortos por vários outros motivos, dentre eles:
  • A grávida é muito jovem.
  • Não tem condições financeiras para criar o filho.
  • Medo de a gravidez naquele momento atrapalhar sua carreira profissional
  • Tem medo da reação da família ao descobrir a gravidez.
  • Não ter vontade de criar o filho.

Um argumento usado para justificar o direito ao aborto é o fato de que anualmente estariam morrendo em torno de 200 mil mulheres pobres por causa de abortos clandestinos. Para salvar milhares de fetos, o Estado estaria deixando morrer centenas de milhares deles junto com as mães por causa dessa proibição. Esse número teria sido passado pela ONU e foi divulgada numa matéria do Estadão em 17 de fevereiro de 2012.

Estadão - ONU critica legislação brasileira e cobra país por mortes em abortos de risco

Após pesquisar melhor essa informação, descobri que a informação é falsa e que o jornalista do Estadão se confundiu. Na verdade, no Brasil há 200 mil internações hospitalares (não são 200 mil mortes) por ano por complicações referentes aos aproximadamente 1 milhão de abortos feitos anualmente no país. 

No Uruguai, a prática do aborto foi legalizada recentemente. Segundo o que o governo uruguaio informou em julho de 2013, não houve nenhuma morte materna nos abortos realizados de forma legalizada nos hospitais do país. Esse é mais um argumento usado a favor da legalização do aborto.



Não existe uma solução fácil para o problema

A definição sobre o feto já ser uma vida humana logo na concepção, ou somente alguns meses depois, ou somente após sair da barriga da mãe, faz uma diferença enorme nas intenções acerca do aborto.

Para uns, o feto de um mês já é uma vida humana e por isso é supervalorizado, sendo visto com a mesma importância de um bebê com um mês fora do útero, devendo ele ser totalmente protegido de todas as formas, muitas vezes sem qualquer preocupação em relação à mãe. Para outros, o feto ainda não é uma vida humana e por isso é totalmente subvalorizado, devendo então ser subordinado unicamente à vontade da mãe, que segundo eles deveria ter total poder de escolha sobre a vida ou a morte desse ser que cresce dentro dela.

Qualquer decisão que os governos tomem acerca do aborto vai ter consequências positivas e negativas. Ao manter a proibição como é hoje, se tem como resultado essas 200 mil brasileiras pobres internadas anualmente, mas por outro lado, a liberação total do aborto permite uma enorme quantidade de abortos seletivos por questões de sexo do bebê ou por qualquer má formação mínima que seja. Nos EUA, a quantidade de abortos feitos após a detecção da síndrome de down no feto é algo próximo de 90% dos casos. Algo que para mim é muito preocupante.

Washington Post - If the Test Says Down Syndrome

Infelizmente, é impossível conciliar os interesses dos religiosos e das feministas. O Estado deve portanto procurar manter uma legislação e um conjunto de políticas públicas, que ao mesmo tempo protejam as mulheres e os fetos. Ambos têm seus direitos. Mas qual seria a forma ideal de conciliar esses direitos? Perguntinha difícil de responder...

Um comentário:

  1. Não entendo o porque do movimento feminista não priorizar o planejamento familiar e os métodos contraceptivos. Acredito que um trabalho insistente de conscientização por parte do movimento (que é muito poderoso) resolveria grande parte do problema.

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