Nicolás Maduro fazendo uma saudação ao ex-presidente Hugo Chávez |
O presidente da Venezuela Nicolás Maduro sancionou nesta sexta-feira (24) a "Lei Orgânica de Preços justos" que limita a 30% o lucro que as empresas da Venezuela podem obter pela venda de produtos e serviços.
Para fiscalizar o cumprimento dos 30% de lucro, o presidente criou a Superintendência de Custos e Preços Justos, que também será responsável por fiscalizar os preços dos produtos.
Segundo Maduro, essa lei é necessária para combater as "máfias", que "escondem seus produtos" para causar uma escassez dos mesmos, afim de prejudicar a economia, desestabilizar o governo e também lucrar mais.
O presidente está se referindo a empresários que estão mantendo os produtos no estoque, sem liberá-los para as prateleiras, a fim de causar uma escassez proposital de produtos. Quando um produto se torna escasso no mercado, pode-se vendê-lo a preços mais altos.
Maduro já havia tabelado os preços dos eletrodomésticos e agora toma essa medida radical, impondo esse limite de lucros para tentar conter a inflação que já ultrapassa os 50% ao ano. Medida semelhante já foi feita no Brasil durante o governo de José Sarney, mas a inflação não foi controlada.
G1 - Venezuela termina 2013 com inflação em 56,2%, a mais alta da AL
Folha - Maduro, Mugabe e os fiscais do Sarney
Ao adotar uma medida tão radical,
Maduro está enfrentando não apenas os especuladores, mas toda a classe
empresarial. Ele está arriscando demais. Muito provavelmente os
empresários do país vão se unir politicamente para atacar com todas as
forças o presidente Maduro e tentar derrubá-lo de alguma maneira.
É possível controlar os preços dessa forma?
Maduro cometeu o maior de todos os pecados contra o capital: tentar impor limites aos seus lucros. Com certeza não vão deixar barato. Se é realmente verdade que os empresários estão tentando sabotar propositalmente a economia apenas para prejudicá-lo, eles farão isso com muito mais intensidade agora.
Por outro lado, limitar os lucros dos empresários parece ser uma medida tecnicamente quase impossível de se cumprir. Pode-se até estabelecer os preços para alguns produtos de necessidade básica como alimentos, combustíveis, eletrodomésticos, mas não para tudo. Hoje há dezenas (se não centenas) de milhares de produtos e serviços à venda para a população. Como estabelecer o preço justo para tudo isso?
E ainda existem várias complicações adicionais. Em cada região do país, o custo de produção é diferente, pois o custo da mão de obra e das matérias primas variam de região em região. Também há o problemas dos alimentos, cujos preços dependem muito de como foi a safra naquela época do ano. Os tomates por exemplo podem estar custando X numa época de alta safra e 5X em outra época de safra muito fraca.
E para piorar ainda mais, o custo de produção de cada empresa é diferente. Uma empresa pode gastar 20 reais para produzir um produto, outra 25 e uma terceira gastar apenas 10 reais. Como estabelecer o preço justo para as dezenas de marcas das dezenas (ou centenas) de milhares de produtos e serviços disponíveis por todo o país? É impraticável.
E para piorar ainda mais, o custo de produção de cada empresa é diferente. Uma empresa pode gastar 20 reais para produzir um produto, outra 25 e uma terceira gastar apenas 10 reais. Como estabelecer o preço justo para as dezenas de marcas das dezenas (ou centenas) de milhares de produtos e serviços disponíveis por todo o país? É impraticável.
Um caso semelhante: a sabotagem da economia do Chile em 1973
O tipo de sabotagem que o Maduro acusa a oposição de estar fazendo já aconteceu antes. Um caso muito importante a ser lembrado e analisado é a sabotagem da economia do Chile feita em 1973, para prejudicar o presidente Salvador Allende, o primeiro presidente socialista eleito na América Latina através de eleições diretas.
O presidente chileno Salvador Allende |
Nesse período, os empresários guardavam os produtos em seus estoques para provocar uma escassez proposital, a fim de prejudicar o governo. Também financiaram uma greve das empresas transportadoras, para aumentar ainda mais a escassez. Para completar os ataques, o governo americano impôs algumas sanções econômicas ao Chile.
No documentário "A Batalha do Chile", é mostrado como a classe trabalhadora do Chile junto com o governo contornaram tanto a greve dos transportadores quanto a ação dos especuladores. A mobilização popular em favor do governo foi uma coisa absurda, vencendo essa pequena guerra contra a classe empresarial do Chile. Inconformados com a derrota, os opositores com o apoio do governo dos EUA atacaram o palácio do governo com bombardeios aéreos e mobilizaram uma força militar para derrubar o presidente. Esse ataque resultou na derrota de Allende e da classe trabalhadora e o início de uma ditadura militar feroz que durou até 1990.
Pode haver um golpe de Estado na Venezuela?
Um golpe de Estado já ocorreu na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez em 11 de abril de 2002.
Os opositores do governo estavam numa passeata dos grevistas da empresa petroleira estatal, a PDVSA. Outra manifestação a favor do governo ocorria em frente ao palácio Miraflores, sede do governo federal.
Os opositores do governo estavam numa passeata dos grevistas da empresa petroleira estatal, a PDVSA. Outra manifestação a favor do governo ocorria em frente ao palácio Miraflores, sede do governo federal.
A oposição deu ordens aos grevistas para se moverem até o palácio do governo, para haver um confronto entre os dois grupos de manifestantes. Ao se encontrarem, pessoas começaram a cair, alvejadas por tiros na cabeça, disparadas por atiradores de elite, que estavam posicionados para atirar na multidão.
Alguns canais de televisão, que eram cúmplices dos golpistas, passaram a declarar que os militantes "chavistas" é que estavam atirando contra os manifestantes. Mostraram até uma montagem grotesca, em que uma pessoa atira numa direção e depois mostra pessoas mortas em um local completamente diferente de onde eles atiravam. Isso foi o suficiente para apoiarem o golpe abertamente.
Só que a oposição não imaginou que a população se colocaria contra o golpe. Uma multidão se manifestou em todo o país. Dois dias depois, a manifestação em frente ao palácio Miraflores foi tão grande que os integrantes do governo golpista fugiram e o poder foi devolvido ao presidente Hugo Chávez.
Hoje a situação do presidente Maduro é muito mais favorável que a do presidente Hugo Chávez. O PSUV, Partido Socialista Unido da Venezuela, criado pelo Hugo Chávez, domina a política no país de maneira raras vezes vista na história.
Nas eleições para governadores, ocorridas em dezembro de 2012, o PSUV foi eleito em 20 dos 23 estados existentes na Venezuela (86% do total). Nas eleições municipais ocorridas agora em dezembro de 2013, o PSUV conquistou 242 prefeituras dentre as 335 existentes (72,23% do total). Esse resultado é absolutamente incrível. Quantos partidos políticos no mundo detêm tantos políticos eleitos quanto o PSUV?
Opera Mundi - Chavismo venceu quase oito em cada dez prefeituras em eleição venezuelana, diz boletim final
Brasil de Fato - Chavismo conquista 20 dos 23 Estados do país e altera mapa político na Venezuela
O resultado dessas eleições revela informações sobre a Venezuela que entram em conflito com o que a grande imprensa brasileira fala a respeito desse país. A impressão que se tem ao ver as reportagens da Globo sobre a Venezuela é que todos estão desesperados com a política do governo e não veem a hora de mudar de rumo. Aí chegam novas eleições e o PSUV novamente ganha de lavada. É fácil notar que uma grande quantidade de informações estão sendo omitidas pela imprensa.
Qual será o resultado dessa briga?
Provavelmente essa tentativa de controlar os preços de toda a economia não vai dar certo e somente alguns poucos produtos terão seus preços controlados. A pressão inflacionária é grande e o governo precisa contornar o problema com outras soluções ou a população pode querer realmente mudar de rumo se a crise se agravar.
O presidente Maduro vai comprar uma briga feia com os empresários do país e o resultado dessa briga é imprevisível. De um lado, a classe empresarial com enorme poder financeiro e com grande influência sobre a imprensa. Do outro, Maduro tem um partido poderosíssimo com vasto domínio sobre a política do país, possui grande apoio popular herdado de Hugo Chávez e ainda um amplo aparato de imprensa estatal que reúne rádios comunitárias, canais de TV, jornais e agências de notícia.
Num ranking de 2012, a Venezuela apareceu como o país da América Latina com a menor desigualdade social. Se a economia entrar numa crise econômica séria, o apoio ao governo pode ter uma grande queda. Não há ideologia que se sustente em um sujeito que vivia bem e depois passa a ter dificuldades de levar comida para a família.
BBC - Venezuela reduz desigualdade, mas sofre com escalada da violência
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Passeata de militantes do PSUV |
Qual será o resultado dessa briga?
Provavelmente essa tentativa de controlar os preços de toda a economia não vai dar certo e somente alguns poucos produtos terão seus preços controlados. A pressão inflacionária é grande e o governo precisa contornar o problema com outras soluções ou a população pode querer realmente mudar de rumo se a crise se agravar.
O presidente Maduro vai comprar uma briga feia com os empresários do país e o resultado dessa briga é imprevisível. De um lado, a classe empresarial com enorme poder financeiro e com grande influência sobre a imprensa. Do outro, Maduro tem um partido poderosíssimo com vasto domínio sobre a política do país, possui grande apoio popular herdado de Hugo Chávez e ainda um amplo aparato de imprensa estatal que reúne rádios comunitárias, canais de TV, jornais e agências de notícia.
Num ranking de 2012, a Venezuela apareceu como o país da América Latina com a menor desigualdade social. Se a economia entrar numa crise econômica séria, o apoio ao governo pode ter uma grande queda. Não há ideologia que se sustente em um sujeito que vivia bem e depois passa a ter dificuldades de levar comida para a família.
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