segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O presidente da Venezuela quer impor limites aos lucros dos empresários

Nicolás Maduro fazendo uma saudação ao ex-presidente Hugo Chávez

O presidente da Venezuela Nicolás Maduro sancionou nesta sexta-feira (24) a "Lei Orgânica de Preços justos" que limita a 30% o lucro que as empresas da Venezuela podem obter pela venda de produtos e serviços.

Para fiscalizar o cumprimento dos 30% de lucro, o presidente criou a Superintendência de Custos e Preços Justos, que também será responsável por fiscalizar os preços dos produtos.

Segundo Maduro, essa lei é necessária para combater as "máfias", que "escondem seus produtos" para causar uma escassez dos mesmos, afim de prejudicar a economia, desestabilizar o governo e também lucrar mais. 

O presidente está se referindo a empresários que estão mantendo os produtos no estoque, sem liberá-los para as prateleiras, a fim de causar uma escassez proposital de produtos. Quando um produto se torna escasso no mercado, pode-se vendê-lo a preços mais altos. 

Maduro já havia tabelado os preços dos eletrodomésticos e agora toma essa medida radical, impondo esse limite de lucros para tentar conter a inflação que já ultrapassa os 50% ao ano. Medida semelhante já foi feita no Brasil durante o governo de José Sarney, mas a inflação não foi controlada.

G1 - Venezuela termina 2013 com inflação em 56,2%, a mais alta da AL

Folha - Maduro, Mugabe e os fiscais do Sarney

Ao adotar uma medida tão radical, Maduro está enfrentando não apenas os especuladores, mas toda a classe empresarial. Ele está arriscando demais. Muito provavelmente os empresários do país vão se unir politicamente para atacar com todas as forças o presidente Maduro e tentar derrubá-lo de alguma maneira.


É possível controlar os preços dessa forma?


Maduro cometeu o maior de todos os pecados contra o capital: tentar impor limites aos seus lucros. Com certeza não vão deixar barato. Se é realmente verdade que os empresários estão tentando sabotar propositalmente a economia apenas para prejudicá-lo, eles farão isso com muito mais intensidade agora.

Por outro lado, limitar os lucros dos empresários parece ser uma medida tecnicamente quase impossível de se cumprir. Pode-se até estabelecer os preços para alguns produtos de necessidade básica como alimentos, combustíveis, eletrodomésticos, mas não para tudo. Hoje há dezenas (se não centenas) de milhares de produtos e serviços à venda para a população. Como estabelecer o preço justo para tudo isso?

E ainda existem várias complicações adicionais. Em cada região do país, o custo de produção é diferente, pois o custo da mão de obra e das matérias primas variam de região em região. Também há o problemas dos alimentos, cujos preços dependem muito de como foi a safra naquela época do ano. Os tomates por exemplo podem estar custando X numa época de alta safra e 5X em outra época de safra muito fraca.

E para piorar ainda mais, o custo de produção de cada empresa é diferente. Uma empresa pode gastar 20 reais para produzir um produto, outra 25 e uma terceira gastar apenas 10 reais. Como estabelecer o preço justo para as dezenas de marcas das dezenas (ou centenas) de milhares de produtos e serviços disponíveis por todo o país? É impraticável.


Um caso semelhante: a sabotagem da economia do Chile em 1973

O tipo de sabotagem que o Maduro acusa a oposição de estar fazendo já aconteceu antes. Um caso muito importante a ser lembrado e analisado é a sabotagem da economia do Chile feita em 1973, para prejudicar o presidente Salvador Allende, o primeiro presidente socialista eleito na América Latina através de eleições diretas.

O presidente chileno Salvador Allende

Nesse período, os empresários guardavam os produtos em seus estoques para provocar uma escassez proposital, a fim de prejudicar o governo. Também financiaram uma greve das empresas transportadoras, para aumentar ainda mais a escassez. Para completar os ataques, o governo americano impôs algumas sanções econômicas ao Chile.

No documentário "A Batalha do Chile", é mostrado como a classe trabalhadora do Chile junto com o governo contornaram tanto a greve dos transportadores quanto a ação dos especuladores. A mobilização popular em favor do governo foi uma coisa absurda, vencendo essa pequena guerra contra a classe empresarial do Chile. Inconformados com a derrota, os opositores com o apoio do governo dos EUA atacaram o palácio do governo com bombardeios aéreos e mobilizaram uma força militar para derrubar o presidente. Esse ataque resultou na derrota de Allende e da classe trabalhadora e o início de uma ditadura militar feroz que durou até 1990.

Palácio do governo chileno sendo atacado


Pode haver um golpe de Estado na Venezuela?

Um golpe de Estado já ocorreu na Venezuela contra o presidente Hugo Chávez em 11 de abril de 2002.

Os opositores do governo estavam numa passeata dos grevistas da empresa petroleira estatal, a PDVSA. Outra manifestação a favor do governo ocorria em frente ao palácio Miraflores, sede do governo federal.

A oposição deu ordens aos grevistas para se moverem até o palácio do governo, para haver um confronto entre os dois grupos de manifestantes. Ao se encontrarem, pessoas começaram a cair, alvejadas por tiros na cabeça, disparadas por atiradores de elite, que estavam posicionados para atirar na multidão.

Alguns canais de televisão, que eram cúmplices dos golpistas, passaram a declarar que os militantes "chavistas" é que estavam atirando contra os manifestantes. Mostraram até uma montagem grotesca, em que uma pessoa atira numa direção e depois mostra pessoas mortas em um local completamente diferente de onde eles atiravam. Isso foi o suficiente para apoiarem o golpe abertamente.

Só que a oposição não imaginou que a população se colocaria contra o golpe. Uma multidão se manifestou em todo o país. Dois dias depois, a manifestação em frente ao palácio Miraflores foi tão grande que os integrantes do governo golpista fugiram e o poder foi devolvido ao presidente Hugo Chávez. 

Hoje a situação do presidente Maduro é muito mais favorável que a do presidente Hugo Chávez. O PSUV, Partido Socialista Unido da Venezuela, criado pelo Hugo Chávez, domina a política no país de maneira raras vezes vista na história.

Nas eleições para governadores, ocorridas em dezembro de 2012, o PSUV foi eleito em 20 dos 23 estados existentes na Venezuela (86% do total). Nas eleições municipais ocorridas agora em dezembro de 2013, o PSUV conquistou 242 prefeituras dentre as 335 existentes (72,23% do total). Esse resultado é absolutamente incrível. Quantos partidos políticos no mundo detêm tantos políticos eleitos quanto o PSUV?

Opera Mundi - Chavismo venceu quase oito em cada dez prefeituras em eleição venezuelana, diz boletim final

Brasil de Fato - Chavismo conquista 20 dos 23 Estados do país e altera mapa político na Venezuela

O resultado dessas eleições revela informações sobre a Venezuela que entram em conflito com o que a grande imprensa brasileira fala a respeito desse país. A impressão que se tem ao ver as reportagens da Globo sobre a Venezuela é que todos estão desesperados com a política do governo e não veem a hora de mudar de rumo. Aí chegam novas eleições e o PSUV novamente ganha de lavada. É fácil notar que uma grande quantidade de informações estão sendo omitidas pela imprensa.

Passeata de militantes do PSUV

Qual será o resultado dessa briga?

Provavelmente essa tentativa de controlar os preços de toda a economia não vai dar certo e somente alguns poucos produtos terão seus preços controlados. A pressão inflacionária é grande e o governo precisa contornar o problema com outras soluções ou a população pode querer realmente mudar de rumo se a crise se agravar.

O presidente Maduro vai comprar uma briga feia com os empresários do país e o resultado dessa briga é imprevisível. De um lado, a classe empresarial com enorme poder financeiro e com grande influência sobre a imprensa. Do outro, Maduro tem um partido poderosíssimo com vasto domínio sobre a política do país, possui grande apoio popular herdado de Hugo Chávez e ainda um amplo aparato de imprensa estatal que reúne rádios comunitárias, canais de TV, jornais e agências de notícia.

Num ranking de 2012, a Venezuela apareceu como o país da América Latina com a menor desigualdade social. Se a economia entrar numa crise econômica séria, o apoio ao governo pode ter uma grande queda. Não há ideologia que se sustente em um sujeito que vivia bem e depois passa a ter dificuldades de levar comida para a família.

BBC - Venezuela reduz desigualdade, mas sofre com escalada da violência

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